O conceito de identidade pode ser confundido com “aquele que cada qual é”. Mas, na verdade, ele diz mais respeito à imagem daquilo que publicamente projetamos, ou seja, “como desejamos ser vistos pelos outros”. E menos com aquele que somos pra valer.
Isso é fácil de verificar com artistas que fazem sucesso em novelas, por exemplo. A pessoa se apresenta sempre daquele mesmo jeito. Quando ela vem a público tal como é, sem tanta maquiagem ou Photoshop, a maioria dos fãs se sente decepcionada – até mesmo chocada!
A TV e o cinema projetam uma imagem pública que pouco ou nada tem a ver com a pessoa em si. E, quando ela própria se identifica e se confunde com a personagem que projeta, instala-se um problema de identidade. A pessoa passa a ser o que e como quer ser vista pelos outros.
Com isso, deixa de ser si própria, perde sua autenticidade. Fica mais complexo ainda quando se leva vida dupla, quando se tem “segredos cabeludos”. Quando desmascarada, ela “desmonta” por inteiro. Fica agressiva, acusa os demais de inventarem histórias a seu respeito, fazendo de tudo para negar o que foi revelado. Ou cai em depressão.
Fernando Pessoa escreveu: “O poeta é um fingidor./Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente”.
Desde pequenos somos tão pressionados a fingir que somos o que não somos, a esconder nossos mais profundos pensamentos e sentimentos, por vergonha, culpa ou medo, que nos esquecemos de sermos nós mesmos.
Perdemos a autenticidade, o que equivale a perder a identidade: a noção clara de quem realmente somos.
Algumas vezes acreditamos saber até que a vida nos chacoalha! Daí somos obrigados a fazer coisas que não imaginamos ou desejamos.
É um novo período, em que passamos a fazer autodescobertas. Algumas delas surpreendentes. É o famoso: Não era eu! Jamais pensei que faria uma coisa dessas! Para o bem e para o mal.
“Sabe aquilo de acordarmos cedo para ir trabalhar e só depois lembrar que já não existe mais aquele trabalho?”
Alguns acontecimentos que abalam a identidade: casamento. Tem quem leve anos para deixar de ser o filhinho da mamãe e assumir que já é pai. Tem executivos altamente capacitados que, na vida privada, vivem como se fossem garotões.
Pessoas mutiladas que não querem mais viver nessa nova condição. Mulheres excessivamente vaidosas que não aceitam envelhecer e fazem cirurgias plásticas até ficarem com a fisionomia disforme. E tem os recém-aposentados que, ao saírem da empresa, não sabem mais quem são.
Nessa crise de identidade, a pessoa perde suas referências e, com elas, sua autoestima. Especialmente quando o processo de desligamento foi abrupto ou mal preparado. Sabe aquilo de acordarmos cedo para ir trabalhar e só depois lembrar que já não existe mais aquele trabalho?
Também entra em crise de identidade quem empobrece e tem que mudar muita coisa na vida. Ou quando retornamos de uma longa viagem, desconectados da vida que levávamos antes de partir.
“Autoestima não é simplesmente gostar de si. É opinar sobre o que não se tem certeza, o que ocorre sempre que mudamos nosso jeito de ser, mesmo que sejam mudanças naturais”
São situações que nos levam a realizar mudanças profundas na imagem que temos de nós. Pode levar muitos anos até nos realinharmos e nos reconhecermos como nós mesmos na nova situação. Não se trata de um problema psicológico, tão somente. Mas existencial.
Identidade, então, tem a ver com consonância, semelhança e correspondência objetiva e subjetiva. Isso pode acontecer mesmo com experiências de sucesso retumbante! Rompe-se a certeza íntima de sermos quem somos. Instala-se uma desconexão em relação a como nos víamos e como nos vemos hoje. Isso abala a nossa autoestima.
E por quê? Porque a autoestima não é simplesmente gostar de si. É opinar sobre o que não se tem certeza, o que ocorre sempre que mudamos nosso jeito de ser, mesmo que sejam mudanças naturais.
E no que a autoestima se respalda? Segundo o psicólogo Abraham Maslow, num tripé bem articulado:
- Status, o lugar que se ocupa num determinado momento de tempo-espaço;
- Responsabilidades que assumimos em relação aos deveres e direitos que nos cabem;
- Exercício pleno de uma liderança que aceitamos e procuramos conduzir bem.
Além disso, almejamos ser criativos, bem quistos e reconhecidos. Quando uma dessas condições não se cumpre, ficamos com a autoestima abalada. Cada mudança de status corresponde a mudanças na esfera das responsabilidades e das condutas maduras que devemos ter a cada idade.
Senão ouviremos com muita frequência: "Você não se enxerga, não?"
Ana Fraiman, 70 anos, psicóloga com doutorado em ciências sociais, é autora do método Longes – Longevidade com Sustentabilidade e dos livros “O Chefe dos meus Sonhos”, “A Era do Javali”, “Coisas da Idade”, “Avó de Biquíni”, “Para ser um bom avô”, “Doutor@, o que Eu Faço?” e “Você Tem o Valor que Você Se Dá”.
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