O bigode espesso de Pedro Bandeira, 73 anos, não esconde o sorriso quando o assunto é escrever. Autor de 104 livros, ele vibra ao falar da elaboração de cada obra, desde a criação de personagens até o processo incessante de ler e reler cada palavra. Ou quando explica sobre as pesquisas que faz para compor a narrativa. Ou ainda quando o tema são os leitores. “Posso dizer que escrevo para me divertir”, diz.

Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.

“Quando [o autor] tem sucesso, não tem muita crítica. A editora quer seu livro, não importa o que seja”

Qual a diferença entre escrever quando começou e escrever hoje?

Quando eu comecei, escrevia a lápis porque podia apagar, escrever nos cantinhos. Só ia para a máquina de escrever quando estava tudo pronto.

Hoje, com o computador é uma maravilha. Está sempre tudo limpinho. Pode colocar uma palavra, tirar outra. É mais confortável. Para escrever um livro eu levaria o triplo do tempo que levo hoje. Claro que eu levo o mesmo tempo porque sou chato, corrijo muito, refaço muito. Ainda mais quando [o autor] tem sucesso, não tem muita crítica. A editora quer seu livro, não importa o que seja. Tem que ter autocrítica muito grande.

Mudou também a agilidade, principalmente em pesquisa. Quando eu comecei a escrever, pensava: ‘Na minha enciclopédia não tem. Onde vou achar?’. Sobra mais tempo para a criação e menos para as coisas chatas.

“O escritor tem que se imaginar eterno”

O contato com gerações mais novas, da época em que foi professor, ajudou?

Todo artista tem que ter sensibilidade um pouco diferente. Tem que ter visão, sensibilidade de olhar.

Como Shakespeare pode ter entendido amor, inveja, ambição, ciúme? As pessoas mudaram? Em quê? Em que hoje um menino de 13 anos é diferente de um do século 18? Ele não tem os mesmos sentimentos, medos, inseguranças, paixões?

Hoje meus livros vendem mais do que antes. Por quê? Porque eu escrevo sobre encontros, desencontros, paixões, raiva, traições, abandonos. Isso não muda. O escritor tem que se imaginar eterno.

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Como ter 73 anos impacta seu trabalho?

Tenho mais tempo hoje. Estou aposentado de qualquer outra atividade que não escrever. Posso dizer que escrevo para me divertir. Escrever é muito divertido. Meu desespero é quando não tenho nada para escrever.

Tenho 104 livros publicados. Não é importante publicar mais um livro. É importante publicar mais um livro bom. A responsabilidade aumenta, mas a obrigatoriedade diminui.

“Se [o artista] para de trabalhar, ele para de respirar”

O que o motiva a escrever?

É divertido, é muito divertido. É divertido inventar, imaginar personagem. Por que Picasso, depois de milionário, passava o dia pintando? Porque ele gostava. Porque o artista não para de trabalhar. Se ele para de trabalhar, ele para de respirar. Por que parar e esperar a morte? Quero morrer de pé.

Qual será o novo projeto?

É um projeto gostoso. Tenho um amigo médico infectologista, que está na minha idade, nossos filhos cresceram juntos. Estou escrevendo com ele. Ele dá conteúdo e ponho a história em cima. É muito divertido. Escrevo para crianças de 6 anos a 15 anos, mas esse é adulto, se passa no século 19, na Inglaterra.

“A gente sempre fica pensando no que não tem e deixando de saborear o que tem”

O sr. já ganhou prêmios como o APCA e o Jabuti. Há algum que deseja conquistar?

Eu conquisto todo dia novos prêmios. Sabe qual é o grande prêmio? Que há muito tempo venho ganhando? O e-mail daquela menina que diz que odiava ler. “Li seu livro e agora adoro.” É esse prêmio que quero continuar conquistando.

Ser reconhecido por professores e escritores é importante, porque são parceiros. Mas não escrevo para eles. Escrevo para os filhos deles, os sobrinhos deles.

Tem algo que se dá ao luxo hoje?

Sempre tive tudo o que quis, mesmo quando eu não tinha nada. Aquele nada era meu. Sobre ele, construí minha vida.

O ser humano não tem limites. A gente sempre fica pensando no que não tem e deixando de saborear o que tem. O que tem é tão bom. Os teus problemas são teus. Pertencem a você. Curta-os, trabalhe-os.

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