O cumprimento ao encontrar a chefe é “respondido” com silêncio. “Ela passa reto, como se eu fosse um cone”, conta o jornalista Roberto (nome fictício), 50 anos, sobre a nova coordenadora de marketing da empresa em que trabalha. O ápice do assédio moral no trabalho não foram as repreensões ditas na frente da equipe ou as caretas que ela faz escondido quando ele fala, mas ter deixado o funcionário para trás em um evento no qual ele deveria estar com o restante da equipe.
Casos sistemáticos de conduta abusiva, que comprometam a integridade física ou psíquica do trabalhador, ainda são pouco denunciados. No Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos, houve 33 denúncias de assédio moral praticado por empregadores contra pessoas com mais de 60 anos de idade de janeiro a junho de 2017. Em 2016, foram 129.
“Descrever a situação vivida é reviver um momento de muita dor, por isso muitos não denunciam”
“Em anos de crise, grupos vulneráveis são as primeiras vítimas”, afirma a procuradora Valdirene Assis, acrescentando que as pessoas com mais experiência, que geralmente recebem salários maiores, tendem a ser desligadas antes por cortes de custos. Como há empresas que não querem pagar verbas rescisórias, o assédio moral nasce e se intensifica para que o trabalhador adoeça e peça demissão. “Já ouvi que descrever a situação vivida é reviver um momento de muita dor, por isso muitos não denunciam”, diz ela, que é coordenadora nacional da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do Ministério Público do Trabalho.
A Procuradoria-Geral do Trabalho registrou, entre todas as faixas etárias, 6.251 denúncias de assédio moral no ano passado. Foram ajuizadas 160 ações e realizados 608 TACs (Termo de Ajuste de Conduta), no qual a empresa se compromete a fazer modificações que coíbam esses casos. Apesar de os números serem pouco superiores aos registrados em 2016 (150 ações e 582 TACs), a procuradora diz que há demanda reprimida de notificações.
O caso de Roberto, por exemplo, é um dos que não aparecem em registros. Ele diz que não quer se indispor com o dono da empresa, que é seu amigo há mais de 30 anos. Por isso, tem aguentado ver os colegas mudarem o tratamento dado a ele para não entrar em conflito com a chefe. “Ela fez a cabeça da equipe. Rola um certo constrangimento quando chego”, diz ele, que afirma que a idade pesou na prática do assédio.
“Isso mexe com a autoestima. Fiquei sozinho”
O jornalista também não tem o que fazer quando ela o convida para participar das reuniões de setor, mas não comunica data, horário e local, inviabilizando sua presença. “Isso mexe com a autoestima. Fiquei sozinho”, lamenta ele, que pediu para trabalhar em casa, dado o clima criado com o assédio. “Não pensei que, no fim da carreira, isso fosse acontecer comigo.”
A defensora pública Flávia Albaine explica que, em termos de legislação, jurisprudência e conscientização, o país evoluiu muito nos últimos 15 anos. Mas avalia que os casos são subnotificados e que ainda falta muito para reduzir significativamente os índices de assédio moral no trabalho. “Falta discussão e ação das empresas para coibir essas práticas”, destaca.
“A humilhação, a discriminação e o constrangimento não fazem parte da relação normal de trabalho”
Para Assis, a conscientização é fundamental para uma transformação cultural – em que não haja a certeza da impunidade. “A humilhação, a discriminação e o constrangimento não fazem parte da relação normal de trabalho”, diz ela. “Mas a frequência faz com que ela se naturalize.”
Diversas formas
No ambiente corporativo, diz Albaine, o assédio pode adquirir diversas formas. Criação de apelidos irônicos, tratamento diferente ao dado aos demais trabalhadores, perseguição, humilhação e redução de responsabilidades são alguns deles. “Principalmente, a comparação de produtividade com os mais jovens, que supostamente teriam mais energia.”
Por vezes, os gestos, as palavras e as atitudes agressivas ou constrangedoras tanto de superiores quando de colegas podem parecer pequenas ou pouco graves. No dia a dia, contudo, à medida que se tornam recorrentes, destroem o ambiente de trabalho e comprometem a saúde física e mental da vítima.
Funcionalismo público
Com a contadora aposentada Elis (nome fictício), 64 anos, o assédio moral no trabalho veio das duas formas – tanto de chefe quanto de pessoas com as mesmas funções. “Nos bastidores do serviço público, acontece muita coisa ruim”, relata.
Dez anos atrás, depois de muito insistir com um chefe que não a atendia, ela conseguiu a aprovação do projeto de um evento. Organizou tudo, reuniu as pessoas e comemorou o resultado, que “foi maravilhoso”. Foi exonerada logo depois. “Soube que o gerente agiu dessa forma porque queria que outra pessoa ocupasse meu lugar.”
Mal saiu de lá, foi chamada por outro órgão, para um cargo semelhante. Mudada a gestão, no entanto, teve de enfrentar situação semelhante. Durante três meses, tentou marcar reuniões. “No dia, ele não vinha e sumia”, lembra ela. “Fui desmotivando.”
“É tudo muito hostil e velado”
“Há uma pressão para que você erre, que aprove licitações de olho fechado”, complementa. Denunciar, diz ela, não é uma opção para a maioria. “As pessoas temem represália, ser cortadas ou não receber indicação para um cargo. É tudo muito hostil e velado.”
O que fazer
Para a defensora pública Flávia Albaine, cabe às empresas ou instituições públicas olhar para o problema do assédio moral no trabalho. É preciso que elas ofereçam cursos de reciclagem e convivência, palestras e apoio do setor de recursos humanos.
Se, no entanto, o trabalhador for vítima, há alguns recursos – a começar pelo RH, “se funcionar bem”. Outras alternativas são procurar um advogado ou um defensor público no caso de hipossuficiência financeira, o sindicato da categoria, o Ministério Público do Trabalho (no caso de ações coletivas) ou mesmo as instituições e associações que têm trabalho voltado a pessoas com mais de 50 anos de idade.
Assis deixa um alerta: “O problema do assédio moral no trabalho deve ganhar mais expressão nos próximos anos, já que a reforma da Previdência tende a aumentar o tempo de contribuição para a aposentadoria, o que exige que as pessoas trabalhem por mais tempo. É uma questão importante, que a sociedade e o governo têm que pensar”.