Na contramão das demissões que ocorrem em consequência da crise da economia, chama a atenção a abertura de vagas para trabalhadores com mais de 50 anos de idade. A tendência foi notada em recente estudo feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

O número de profissionais de idade mais avançada no mercado de trabalho deve continuar crescendo – até porque a expectativa é de que a população idosa vá triplicar em 40 anos. Segundo projeção do IBGE, deve passar de 19,6 milhões de pessoas (10% da população) em 2010 para 66,5 milhões (29,3%) em 2050.

Redes de varejo e empresas do setor de serviços já perceberam que ter esses profissionais no quadro pessoal significa ter vantagens, como maior comprometimento com o trabalho e menor rotatividade (turn over), além de esses trabalhadores mostrarem que sabem se comunicar com os consumidores.

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Nos últimos dez anos, o número de brasileiros com carteira assinada aumentou 45%. Na faixa de trabalhadores mais experientes (acima de 65 anos), esse crescimento foi ainda mais acentuado , de 136%.  Já na faixa mais jovem (18 a 24 anos), apesar de o resultado ser positivo, o ritmo de expansão foi menor, de 16%.

“A população está envelhecendo e isso se reflete no mercado de trabalho. Assim como há um amadurecimento da mão-de-obra, há também de quem contrata”, diz Fabio Bentes, economista da CNC. “O empregador está percebendo que, ao contratar pessoas experientes, o ganho de produtividade é maior. Sem contar que o trabalho hoje depende muito mais da capacidade intelectual do que da capacidade física, como ocorria há 30, 40 anos”, completa.

Outro fator chama atenção: mesmo entre os mais experientes (de 50 anos ou mais), é na faixa acima de 65 que está a maior expansão do emprego. Oportunidade para quem procura uma vaga e quer voltar ao mercado. Somente no ano passado, o número de vagas nessa faixa aumentou 8,6%, enquanto na de 50 a 64 anos cresceu 1,4%. Em todas as outras faixas etárias (abaixo de 50 anos) houve queda do emprego.

“O setor de serviço e o comércio percebem que a experiência faz a diferença, ainda mais em um momento de busca por flexibilização dos contratos de trabalho”, diz Bentes. “Na contratação temporária de final de ano, por exemplo, o que vale mais a pena? Ter um temporário com ou sem experiência?”

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Na avaliação do economista e de empregadores, há uma visão positiva dos empregados mais maduros. “Um funcionário mais experiente não vai aceitar um trabalho temporário em um mês e sair no outro.” Eles percebem uma possibilidade de ganho de renda extra, além do fato de que muitos idosos participam de forma relevante no orçamento das famílias.

“De um lado, os aposentados buscam nesta época do ano uma chance de retornar ao mercado e se tornarem trabalhadores permanentes. Do outro, o empregador quer investir em quem proporciona produtividade maior”, afirma o economista da CNC.

Como o custo da contratação no Brasil é elevado, a opção de admitir pessoas que “rodam” menos no mercado de trabalho – tendem a ficar mais tempo no emprego – abre oportunidades para as faixas etárias mais avançadas. “Toda medida que vier para minimizar custos em um momento em que as receitas das empresas só caem é muito bem-vinda. Até sob esse aspecto mais conjuntural do mercado de trabalho, os experientes têm vantagens”, diz o economista.

“Não era fácil arranjar emprego com 68 anos de idade”

Depois de um período fora do mercado, Lise Maria Del Priori, 70 anos, está com a carteira assinada. Trabalha como frente de caixa (empacotadora) na unidade do Pão de Açúcar da Vila Clementino (SP) desde 2015.

Fonoaudióloga por formação, ela foi dispensada há dois anos após uma reestruturação na organização em que atuava. “Mandei currículos, fiz projetos, procurei na minha área, recorri a colegas, mas não era fácil arranjar emprego com 68 anos de idade. Os dias foram passando e os planos em andamento tiveram de ser paralisados. Trabalhei 45 anos como fonoaudióloga”, diz.

Ao entrar em uma loja do GPA (Grupo Pão de Açúcar), nove meses após ser demitida, ela viu um anúncio “estamos recrutando” e foi atrás de informações no RH da rede. “No mesmo dia fiz teste, entrevista e me ofereceram uma chance. Ouvi da selecionadora que não havia vagas para fonoaudióloga, mas topei a vaga de frente de caixa.”

Lise saiu do estabelecimento “empolgada”, com o carimbo na carteira e o horário definido, seis horas por dia. “Meu ambiente de trabalho é diversificado. Há gente mais experiente, deficientes, jovens, o que é interessante. Uns aprendem com os outros.”

Os planos foram retomados e no ano que vem Lise embarca para fazer um intercâmbio cultural em Boston (EUA), com um grupo na faixa dos 50 anos. “Em 2012, fui para Inglaterra estudar inglês. Dessa vez, a viagem tem um aspecto mais cultural, embora ainda com aprendizado em sala de aula. São 15 dias de curso e depois vou para o Canadá.”

Toronto e Quebec entraram na lista de viagem porque Lise quer, em suas palavras, “sentir a presença europeia em uma terra de influência americana”. Ela se diz curiosa para entender como funciona em um povo a mistura de uma cultura mais tradicional da Europa com a praticidade da vida da América.

É a terceira vez que viaja sem a presença de amigos ou familiares. Aposentada desde 1998, Lise também optou por morar sozinha desde que o marido faleceu. Entre o trabalho e o estudo de inglês, para não perder a fluência, ela ainda arranja um tempinho para aulas de teclado, instrumento que aprende a tocar desde 2011. “A música é um exercício interessante para movimentar o cérebro e não deixar o ‘tico e o teco’ sossegados”, diz rindo.

A contratação de Lise faz parte de uma diretriz do GPA, que em 2013 deu continuidade a ações sociais, com iniciativas como contratação de trabalhadores da terceira idade, jovens aprendizes, entre outros.

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