A psicóloga Rita Aventurato acredita que é preciso um olhar mais amplo sobre a questão da avareza na terceira idade. Apesar de algumas pesquisas estarem mostrando que os idosos, especialmente os mais ricos, têm gastado bem menos dinheiro, tonando-se mais avarentos, é possível que nem tudo que a maior parte das pessoas entendem sobre avareza esteja correto. O que precisamos saber sobre o comportamento relacionado ao dinheiro ao longo do envelhecimento? 

Confira a entrevista com Rita Aventurato:

Psicóloga Rita Aventurato fala sobre a avareza na terceira idadeCrédito: Fonte: newafrica/shutterstock

Alguns estudos vêm mostrando que os idosos estão gastando menos dinheiro, mesmo os mais ricos. Chega-se a chama-los de avarentos, especialmente em países como Estados Unidos e Japão. Como você enxerga esse cenário?

Gostaria de começar sinalizando que gastar pouco dinheiro e ser avarento são coisas diferentes. Posso gastar pouco dinheiro por prudência, por estar guardando para um projeto, por saber me divertir de modo mais simples. Ou, ainda, porque naquele momento ou fase da vida estou satisfeita com o que tenho. Por outro lado, a avareza já é um estado de apego aos bens materiais, de acúmulo por acumular. É um tipo de egoísmo que acredita que a única segurança e o único valor da vida são os bens acumulados. Esse “estado mental avarento” pode estar associado a alguma doença mental, então a coisa se complica um pouco, tanto em intensidade quanto em possibilidade de abordagem.

Quais são as causas comuns da avareza na terceira idade, de acordo com suas observações?

Podemos pensar em algumas vertentes. Primeiramente, a insegurança e a desconfiança em relação ao ambiente e às pessoas. Ou seja, a insegurança do ponto de vista prático mesmo, a possibilidade de um golpe, ou de não ser ágil com as transações eletrônicas. E até o receio de perder o valor que se tem juntamente com a impossibilidade de recuperar o valor exatamente pela idade avançada. 

Ainda há, muitas vezes, a desconfiança em relação à intenção das pessoas ao redor. E, infelizmente, hoje em dia, é a aposentadoria dos velhinhos que têm sustentado seus filhos adultos ou jovens adultos.

Por outro lado, o que pode se mostrar atraente e interessante para uma pessoa de idade? Muitos apelos de marketing podem não mais ter efeito sobre uma geração mais experiente, quem sabe menos exposta a certas ilusões ou mesmo, mais interessada em seu conforto no lar do que em lidar com os possíveis desconfortos de situações fora de casa. Por vezes não lembramos que a pessoa de idade pode cansar mais rápido, pode precisar ir ao banheiro com mais frequência ou até com certa urgência. Dessa forma, alguns passeios, viagens, refeições em restaurantes, ou idas ao cinema podem ir se tornando mais exaustivos do que prazerosos.

Rita Aventurato, pode haver algum fator físico relacionado à avareza?

Sim, quando há um fator de adoecimento junto, alguma perda cognitiva e de memória, perda de referências da realidade, temos que abrir os olhos para outras questões. Inclusive, perde sentido adquirir coisas novas se imediatamente acontece esquecer-se delas. Também pode ocorrer que, diante de mudanças que parecem simples, como mudar um móvel de lugar, o idoso se confunda diante da mudança. Ou seja, ele passa a não reconhecer o novo ambiente. Isso lhe gera insegurança e até mesmo irritabilidade. Sendo assim, diante da proposta de comprar algo novo, ou de mudar alguma coisa, a resposta categórica é sempre “NÃO”. Na verdade, há uma série de medos envolvendo a situação.

Agora, naquela situação em que vemos vários velhinhos escondendo dinheiro, comida, balas, não só debaixo do colchão mas dentro dos bolsos, dos armários, e etc, já parece que o bom  senso está escapando. De todo modo, se focarmos a questão da relação com o dinheiro, que  é uma das bases da autonomia pessoal, apegar-se ao dinheiro pode se tornar quase que uma “tábua de salvação” para aquela pessoa. É um jeito de garantir o poder de decidir e de fazer o que quiser. Claro, levando-se em conta que cada situação tem suas peculiaridades próprias.

A avareza na terceira idade pode estar relacionada a experiências passadas, como dificuldades financeiras? 

Pode sim, claro. Inclusive o histórico familiar pesa bastante. Mas temos que observar que por vezes não se trata de “avareza na terceira idade”. Talvez já houvesse uma avareza por toda a trajetória de vida, Ou, ainda, um temor contínuo da escassez. Sabemos que na idade avançada, as arestas não trabalhadas da personalidade emergem sem freios. Medos, ansiedades, aspectos depressivos, inseguranças. Por isso mesmo enfatizamos a importância de, o quanto antes,  trabalhar o aspecto emocional, reprocessar as memórias dolorosas, “desatolar” a personalidade de seus traumas e dores profundas para envelhecer sem carregar tantos “fantasmas emocionais”. 

De que maneira a avareza pode afetar os relacionamentos familiares e sociais de uma pessoa idosa?

Se a coisa for de tal forma que ela se recusa a conviver ou a receber pessoas, sim, afeta os relacionamentos totalmente. Na verdade, inviabiliza os relacionamentos. Mas se for aquela situação de não querer comprar uma roupa nova, ir a um restaurante ou comprar um presente, fica mais para a habilidade e maturidade emocional daqueles que acompanham o idoso, ou seja, da família. Lembramos que ao idoso sempre convém ter familiares por perto - isto é, se estes forem bem intencionados e amorosos, é claro!

De que maneira a avareza pode impactar a qualidade de vida de uma pessoa idosa?

De cara pode fazer com que a pessoa não cuide de si mesma como poderia (e deveria). Pode não cuidar da manutenção da casa, não aceitar um funcionário para ajudar porque, embora tenha condições para isso, não quer pagar por essa ajuda. E indo mais longe, pode fazer com que ela perca o interesse pela vida, pelas pessoas. E que siga em completa desconexão com os outros e consigo mesma. 

Mas será que a avareza vem e causa desconexão, ou terá sido a desconexão que foi gerando avareza? De todo modo, o resultado é que, mesmo tendo condições financeiras, a pessoa não usufrui. De certo modo, não confia suficientemente em alguém para delegar. Também nem sente ter relações pessoais suficientemente amorosas e confiáveis para partilhar a vida. Agora, temos o caso oposto também: a pessoa de idade confia tanto em alguém (e só nesse alguém) que acaba sendo manipulada e perdendo tudo o que tem. 

Ser avarento para tentar deixar o máximo que puder para herdeiros, por exemplo, é algo que deveria ser observado com atenção para que o próprio idoso não prejudique suas necessidades?

Aqui fica até contraditório: ser avarento para dar? Não é bem esse o princípio básico da atitude avarenta. Ser modesto com os próprios gastos porque se pretende ajudar alguém, desde que dentro do bom senso, não é problema. Mas negligenciar as próprias necessidades, isto sim é sinal de desequilíbrio. E outra coisa: não usufruir dos próprios bens por não confiar que a próxima geração terá condição de cuidar-se e de construir sua própria autonomia financeira não é exatamente a melhor perspectiva, não é mesmo? Não faz bem pra nenhum dos lados!

Quais estratégias emocionais podem ser eficazes para ajudar idosos a lidar com a avareza?

Eu diria a você: como ajudar o idoso a ter alegria de viver? Como ajudar o idoso a querer ou a aceitar cuidados? E como nós, familiares, amigos e cuidadores, poderíamos fazer para atender e acompanhar o idoso no que ele precisa, e não no que nós achamos que ele precisa? Talvez descobrindo um caminho de generosidade e contato com ele. 

Lembro-me de uma vez em que eu, lá com meus 15 anos, meu avô com 80, e eu queria levá-lo pra passear, pra fazer isso ou aquilo. Sempre era muito difícil convencê-lo a ir. Uma vez, finalmente, resolvi perguntar pra ele: Mas o que o senhor quer fazer? Ele respondeu: “Nada. Só ficar aqui mesmo tá bom.” E entendi que ele só queria companhia e conversar um pouco. Queria ter alguém que se interessasse por ouvir suas histórias, ainda que se repetissem de vez em quando. E era isso: atenção, e não “programas”... Era disso que ele precisava. O amor e suas sutilezas…

Rita Aventurato é psicologa graduada pela USP e atua na área clínica há mais de 30 anos. Trabalha também com Mindset Financeiro. Atualmente atende especialmente casos de traumas, depressão, medos, ansiedade e sofrimento emocional de toda ordem. Também atua como Terapeuta de Reprocessamento Generativo (TRG).


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