As redes sociais estão cheias de estímulos para quem deseja praticar apostas online. Na lista nacional, já são mais de 90 empresas de apostas com mais de 200 possibilidades de jogos, como Tigrinho e Coelhinho. É um universo que cresce a cada dia e já vem causando diversos problemas que têm merecido a atenção da mídia, do governo e dos profissionais de educação financeira e saúde mental. Você sabia que apostar online pode prejudicar muito a sua Longevidade Financeira?

Dados recentes do Banco Central mostram que os brasileiros destinaram via Pix entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões mensais às empresas de apostas de janeiro a agosto deste ano. As expectativas para 2024, caso o padrão se mantenha, é que estes valores fiquem entre R$ 216 bilhões e R$ 252 bilhões. Isso tudo sem contar com o que é feito via cartão ou TED, por exemplo. O BC calcula que 15% do valor bruto fique com as empresas de apostas. O restante é distribuído a título de prêmios, mas o percentual pode estar subestimado.

Um dado alarmante nas apostas online: apenas entre usuários do Bolsa Família, o valor bruto destinado aos joguinhos em agosto foi de R$ 3 bilhões. Ou seja, 20% dos cerca de R$ 14 bilhões pagos pelo Tesouro Nacional às famílias do programa.

Uma mulher idosa segurando um cartão de crédito e olhando assustada para o celular. Imagem para ilustrar a matéria sobre apostas online.Crédito: fizkes/Shutterstock 

Vulneráveis sofrem mais riscos com apostas online

De acordo com Rosielle Pegado, presidente da APPOEF (Associação de Profissionais, Planejadores, Orientadores e Educadores em Finanças), as apostas online são extremamente sedutoras paras as pessoas em situação de vulnerabilidade financeira. Elas costumam buscar soluções imediatas para seus problemas e veem nos jogos uma forma rápida de melhorar de vida. “Isso cria um ciclo extremamente perigoso, pois, em vez de resolver seus desafios financeiros, essas pessoas podem acabar piorando a situação, perdendo o pouco que têm”, explica. “As apostas acabam se tornando uma ilusão perigosa. Ao invés de trazer a tão desejada estabilidade, elas podem levar a um agravamento das dificuldades financeiras e a um ciclo contínuo de perdas”, diz ela.

Para a planejadora financeira Isolda Carlos, as pessoas mais vulneráveis financeiramente são absorvidas pela facilidade das apostas online e acabam recorrendo a fontes duvidosas. “Elas começam a ganhar e, depois de certo alcance, o jogo acaba usando de sistemas ludibriantes para resgatar e induzir essas pessoas a perderem o pouco que têm. Ou seja, ficam numa condição desfavorável e devendo ao sistema”, avalia.

Apostas online comprometem renda familiar

Segundo dados do BC, o valor mediano transferido por beneficiário é de R$ 100. Entre os apostadores, 70% são chefes de família e enviaram R$ 2 bilhões (67%) por Pix para as bets. O Banco Central utilizou para a pesquisa o número de cadastrados de dezembro de 2023, dentre os quais 17% apostaram.

Para Rosielle Pegado, as consequências desse desvio de recursos para apostas são bastante preocupantes. “No plano pessoal, o comprometimento de dinheiro que deveria ser destinado ao consumo ou pagamento de despesas essenciais resulta em uma deterioração da saúde financeira das famílias. Isso pode levar ao endividamento crônico e à inadimplência. Afeta não só o bem-estar emocional e a qualidade de vida das pessoas, como contribui para um círculo vicioso de dependência financeira, onde a esperança de ganhar em apostas apenas aprofunda a crise”.

Jogo compulsivo é como doença

Do ponto de vista psicológico, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, o jogo compulsivo é como uma doença, assim como a dependência de álcool ou cigarro. E o uso do celular somado à oferta crescente de jogos nada inofensivos e ausência de empecilhos legais e burocráticos atrai cada vez mais gente.

Dados do Programa Ambulatorial Integrado dos Transtornos do Impulso, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, mostram que houve um aumento de 175% na procura por tratamento para vício em apostas nos últimos anos. Uma pesquisa realizada pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo aponta que o Brasil possui uma média de dois milhões de pessoas viciadas em jogos.

Segundo a psicóloga Rita Aventurato, que trabalha com Mindset Financeiro, há uma maneira linear e praticamente ingênua de pensar que as pessoas lidam com o dinheiro de modo racional. “Ou seja: só compro se tenho dinheiro e sempre guardo para o futuro. Essa ideia tem até um nome: “homo economicos”, que supõe que todos nós funcionaríamos de modo lógico quanto às nossas necessidades e pronto. Mas não é nada disso!", diz.

Ela explica que o economista Herbert Simon demonstrou que os critérios de decisão sobre compras e uso do dinheiro têm um fundo emocional. Ou seja, comemorar, alegrar-se, demonstrar afeto, reunir família e amigos, necessidade de reconhecimento social e etc. "Nesse sentido, a racionalidade sobre as decisões financeiras precisa levar em conta as pressões emocionais, os medos, os sonhos, as fantasias sobre o futuro e muitas outras variáveis que fazem do ser humano um ser racional – mas nem tanto!", explica.

Falta de controle tem levado famílias à miséria financeira

Rita afirma que os jogos de apostas são viciantes. “Vício comportamental é a dependência de um comportamento. A pessoa fica praticamente obcecada por estar sempre e novamente tendo tal comportamento. Dizemos que em nosso cérebro há “alças de vício. Falando em linguagem simples, é como se um caminho de neurônios, quando acionado, sugasse toda a energia e discernimento da pessoa, de modo que ela fica presa àquele comportamento por horas e horas a fio, e nem nota”, afirma.

Rita ressalta que, no caso de jogos, o mundo “lá fora” vai ficando distantes e a pessoa mergulha naquele desafio. “Quando envolve dinheiro, apostas, entra junto toda a dinâmica emocional e irracional do dinheiro. Ou seja, os sonhos que a “aposta” vai permitir realizar. Ou a alegria que imagina vai proporcionar a si mesmo e aos seus. O status que vai obter. E, na sequencia, perdendo dinheiro, a necessidade crescente de recuperar aquele valor perdido nas próprias apostas. A pessoa vai do céu ao inferno em questão de segundos. Isso tem levado inúmeras famílias à miséria financeira e dívidas, sim”, alerta.

É necessário investimento em educação emocional e financeira

Lidar com as apostas online no cenário atual requer muito trabalho de prevenção e conscientização, tanto do ponto de vista emocional quanto financeiro. A população precisa entender que os joguinhos não são investimento e podem ser muito perigosos para a saúde mental e financeira, dizem os especialistas. 

Isolda Carlos lembra que os influenciadores digitais acabam atuando como um vetor negativo no caso das apostas online. “Infelizmente estão pendendo para o lado mais fácil ou em busca de patrocínios. Com isso, eles têm feito um desserviço incentivando as pessoas a se tornarem viciadas em bets e jogos do tipo tigrinho. É uma tragédia anunciada para o futuro. Eles usam a notoriedade pública para capitalizar. Enquanto isso, muitas pessoas sofrem com a falta de conhecimento", avalia.

Para Rosielle Pegado, os educadores financeiros têm um papel fundamental na missão de conscientizar a população sobre os riscos das apostas e de promover uma cultura financeira mais saudável e sustentável. “Uma das formas mais eficazes de contribuir é ensinar as pessoas a diferenciar claramente entre investir e apostar. Enquanto investir envolve planejamento, análise de riscos e objetivos de longo prazo, as apostas se baseiam em pura especulação. Elas não têm garantias e têm alto potencial de prejuízo. Ao educar a população sobre essas diferenças, podemos ajudar a evitar decisões financeiras impulsivas que possam comprometer o futuro de muitas famílias”, explica.

Programas de orientação e mecanismos de segurança

A especialista também acredita que a educação financeira deve ser especialmente voltada às camadas mais vulneráveis da sociedade. É aí que a necessidade de soluções rápidas pode levar a práticas perigosas como as apostas. “É preciso criar programas que orientem esses grupos, principalmente aqueles que dependem de benefícios governamentais, como o Bolsa Família. Muitas dessas pessoas são atraídas pela "esperança" de uma mudança rápida. Elas acabam comprometendo recursos que deveriam ser destinados a necessidades essenciais”, diz Rosielle.

Do ponto de vista emocional, Rita Aventurato sugere a a busca de “mecanismos de segurança” em relação ao próprio dinheiro. “A pessoa que está começando a jogar demais pode bloquear as supostas facilidades de gastos,. Uma sugestão é tornar o limite do cartão de crédito bem restrito às reais possibilidades. Outra é não deixar dinheiro disponível fácil na conta. E, claro, ter muito critério com as transações digitais, que são instantâneas – seja para o bem ou para o mal”, orienta.

Ela ressalta que todo cidadão tem a necessidade de uma reserva financeira para emergências, mas mediante o vício em apostas, se a pessoa tiver acesso, ela vai gastar mal. “Neste caso, ter alguém, um irmão, um grande e fiel amigo, algum familiar que possa assumir o controle financeiro enquanto a pessoa estiver em processo de cura é importante. Da mesma forma, procurar ajuda adequada de dois tipos: de um lado, profissionais de saúde e do outro educadores financeiros – fundamentais para pôr “a casa financeira” no bom caminho”, finaliza Rita.


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