O vício em aposta entre idosos cresce de forma silenciosa no Brasil. A prática já se tornou uma preocupação de saúde pública. Embora essa faixa etária não seja a principal entre os apostadores, os dados mostram que é a que mais compromete recursos financeiros com o jogo.
Esse fenômeno está diretamente relacionado à expansão das plataformas digitais. Além da presença constante das chamadas “bets” e “jogos de tigrinho” nas redes sociais e transmissões esportivas. De acordo com o Banco Central, apenas em agosto de 2024, empresas do setor movimentaram R$ 21 bilhões.
A faixa etária de 20 a 30 anos representa o maior número de apostadores. Porém, pessoas 50+ e 60+ investem os maiores valores. Segundo o BC, entre pessoas com mais de 50 anos, o gasto médio mensal ultrapassa R$ 2.500. Ainda, dois milhões de pessoas 60+ gastam, em média, R$ 3 mil por mês com apostas. Um valor superior ao da maioria das aposentadorias no país.
Solidão, dopamina e vulnerabilidade emocional
De acordo com Rodrigo Machado, psiquiatra e pesquisador do Ambulatório de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria da USP, o vício em aposta entre idosos tem características específicas. “É comum que essa faixa etária enfrente solidão, distanciamento social e a perda de vínculos afetivos. O vício em apostas, também chamado de transtorno do jogo, muitas vezes, surge como uma tentativa de preencher esse vazio e aliviar sentimentos negativos”, disse o especialista ao Infomoney.
O especialista explicou que os jogos de azar ativam o sistema de recompensa do cérebro por meio da dopamina. Essa, por sua vez, é um neurotransmissor ligado à sensação de expectativa e motivação. Com o tempo, o sistema fica hipersensibilizado. O prazer diminui e o indivíduo precisa aumentar a frequência ou o risco das apostas para sentir o mesmo nível de excitação inicial.
Essa estimulação intensa, somada à facilidade de acesso aos aplicativos, torna o comportamento difícil de controlar. “Nunca antes as pessoas tiveram a possibilidade de ter um ‘cassino no bolso’. Isso ganhou ainda mais força com a abertura do mercado das bets, a partir de 2018”, observa o psiquiatra.
Crédito: Greg finnegan/Shutterstock
Vício em aposta entre idosos e endividamento crescente
O vício em aposta entre idosos também está ligado a um fenômeno econômico preocupante: o endividamento. Segundo a 8ª edição do Raio-X do Investidor Brasileiro, da Anbima e do Datafolha, 23 milhões de brasileiros realizaram apostas por aplicativos em 2024. Quase metade (47%) está endividada, e 10% recorreram a empréstimos ou venderam bens para continuar jogando.
Para a advogada Caren Benevento, pesquisadora do Grupo de Estudos do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP, o envelhecimento populacional exige novas formas de proteção jurídica. Ao Infomoney, ela contou que existe abusos relacionados à manipulação e à exploração financeira. O vício em jogos digitais atinge idosos que muitas vezes não compreendem o risco emocional e econômico que essas plataformas oferecem.
Benevento destaca o Projeto de Lei 4466/24, que propõe alterações no Código Civil e no Estatuto da Pessoa Idosa para ampliar a proteção a esse grupo. A proposta prevê medidas de prevenção, combate à ludopatia e reembolso de valores gastos quando houver comprovação de dependência ou condutas abusivas. “O PL é abrangente, e contempla qualquer modalidade de jogo de azar — presencial ou digital — incluindo apostas esportivas, fantasy games, cassinos online e os populares ‘jogo do tigrinho’ ou ‘bets’”, afirmou.
Educação financeira e apoio emocional como parte da solução
A educadora financeira e psicóloga Ana Paula Hornos considera que a educação financeira é essencial, mas não suficiente. A especialista disse ao Infomoney que a educação financeira "ajuda a estruturar o orçamento, compreender riscos, identificar fraudes e manter limites saudáveis de consumo. No entanto, o vício em jogos nasce no campo emocional, e se consolida em dinâmicas psicológicas profundas”.
Hornos ressaltou que o enfrentamento do problema exige acolhimento, diálogo e suporte familiar. “Conversas frequentes e empáticas, sem infantilizar ou controlar, mas promovendo parceria, são essenciais”, completou.
Além das ações individuais, especialistas defendem políticas públicas específicas para tratar o vício em aposta entre idosos. O tratamento, segundo Machado, requer abordagem multidisciplinar, com psiquiatras, psicólogos e terapeutas ocupacionais. No entanto, o Sistema Único de Saúde ainda carece de estrutura adequada para atender a essa demanda.
O psiquiatra lembra que grupos de apoio, como os Jogadores Anônimos, têm atuado como uma linha de frente importante. Eles acolhem quem está em sofrimento e muitas vezes são o primeiro passo para buscar ajuda. “Acabam sendo uma linha de frente de auxílio quando a gente sabe que o acesso ao tratamento especializado é mais difícil", reforçou.
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