O uso irregular de clonazepam tem se tornado um fenômeno preocupante no Brasil, especialmente entre pessoas idosas. O calmante, que lidera o consumo de ansiolíticos no país, teve 39 milhões de unidades vendidas em 2024, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Embora indicado apenas para crises agudas de ansiedade, insônia ou epilepsia, seu uso prolongado vem provocando dependência, perda de memória e outros prejuízos cognitivos.

O medicamento, conhecido comercialmente como Rivotril, faz parte da rotina de milhões de brasileiros. Estimativas indicam que mais de 2 milhões de pessoas acima dos 60 anos utilizam o remédio regularmente. O que começa como um tratamento pontual, muitas vezes se transforma em um hábito diário e difícil de interromper.

“Muitos chegam com a receita renovada há anos, sem lembrar quando começaram a usar o remédio”, relata o neurologista Alan Eckeli, especialista em Medicina do Sono e professor da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, em entrevista ao G1. “O efeito é rápido e eficaz, e é exatamente isso que o torna perigoso. O medicamento funciona — mas, equivocadamente, passa a ser tomado sem fim”, completa

Segundo Eckeli, o uso irregular de clonazepam está associado à falta de acompanhamento médico adequado. “Muitas vezes, quem indica o clonazepam não tem formação em sono ou saúde mental. A insônia é tratada como sintoma, não como doença — e o tratamento se eterniza”, explica.

Uso irregular de clonazepam: sintomas, causas e riscos

O clonazepam pertence à classe dos benzodiazepínicos. Essas substâncias reduzem a atividade cerebral ao reforçar o neurotransmissor GABA. Ele é indicado oficialmente para crises convulsivas, epilepsia, pânico e distúrbios do sono. O efeito calmante é quase imediato e pode durar até 24 horas. Isso o torna atraente para quem busca alívio rápido da ansiedade.

Mas é justamente esse alívio que incentiva o uso indevido. O medicamento é utilizado por muitos para lidar com a solidão, o luto e o medo. Sentimentos esses que são comuns entre pessoas idosas. Com isso, o clonazepam pode virar uma espécie de anestesia emocional, não tratando a causa, mas silenciando o desconforto.

Entre os principais motivos para a popularidade do remédio entre idosos estão o baixo custo, a ampla disponibilidade e a ausência de acompanhamento psicológico ou terapêutico. O uso prolongado, porém, traz consequências graves. O uso irregular de clonazepam pode causar dependência química, perda de memória, lentidão cognitiva, sonolência diurna e risco de quedas.

De acordo com a Anvisa, a venda do clonazepam é controlada. Ele é um medicamento de tarja preta, dispensado apenas com receita azul, válida por 30 dias e retida pela farmácia. Mesmo assim, os números de comercialização crescem a cada ano. Em 2024, o volume vendido superou o de outros ansiolíticos, como alprazolam (20,5 milhões de unidades) e bromazepam (15,3 milhões).

Uma mulher idosa prestes a colocar um comprido na boca, enquanto segura um copo de água. Imagem para ilustrar a matéria sobre o uso irregular de clonazepam. Crédito: fizkes/Shutterstock

Dependência silenciosa e o desafio do desmame

O uso irregular de clonazepam se mantém, em grande parte, por conta da dificuldade em interromper o tratamento. A suspensão abrupta pode causar sintomas de abstinência, como irritabilidade, insônia intensa e crises de ansiedade. Por isso, o desmame deve ser gradual e sempre supervisionado por um profissional de saúde.

“O corpo se acostuma, mas o medo de ficar sem o medicamento reforça o vício”, afirma Eckeli.

Além da dependência, os riscos físicos também preocupam. O uso prolongado pode comprometer o equilíbrio, aumentar as chances de quedas e provocar confusão mental. Em idosos, essas condições são especialmente perigosas, pois elevam o risco de fraturas e internações.

Um retrato do envelhecimento brasileiro

O crescimento do uso irregular de clonazepam reflete também questões sociais mais amplas. O isolamento, a falta de redes de apoio e o luto estão entre os fatores que impulsionam a busca por calmantes. “Muitos tomam o remédio não só para dormir, mas para lidar com a solidão, o luto, a dor crônica. É um uso que vai muito além do biológico”, observa Eckeli.

Pesquisas da PNAUM (Pesquisa Nacional sobre Acesso, Utilização e Promoção do Uso Racional de Medicamentos) indicam que 41,3% dos idosos que utilizam benzodiazepínicos no Brasil fazem uso de clonazepam. O dado revela uma tendência que preocupa médicos e especialistas em saúde pública.

O desafio, segundo Eckeli, está em mudar a cultura de prescrição e consumo. É preciso tratar o sono e a ansiedade como condições complexas, que envolvem fatores emocionais e comportamentais. Para o especialista, o remédio pode ajudar, mas nunca deve ser a única resposta.


Quer ter acesso a uma série de benefícios para viver com mais qualidade de vida? Torne-se um associado do Instituto de Longevidade MAG e tenha acesso a Tele Saúde, descontos em medicamentos, Seguro de Vida, assistência residencial e outros benefícios.

Fale com nossos consultores e saiba mais!

Leia também:

Alimentos que aumentam risco de demência são revelados em estudo

Relação entre memória e longevidade: como esse processo impacta o envelhecimento

Hábitos que afetam a memória: veja 4 práticas para corrigir durante o envelhecimento

Compartilhe com seus amigos

Receba os conteúdos do Instituto de Longevidade em seu e-mail. Inscreva-se: