Era uma noite de gala, silêncio absoluto na plateia, o pianista no centro do palco entregando uma interpretação impecável de uma peça clássica. De repente, no momento mais delicado, um celular toca. Aqueles segundos em que o mundo inteiro prende a respiração esperando o pior: cara feia, pausa brusca, talvez uma bronca pública.
O pianista não faz nada disso. Ele para por um milésimo, escuta o toque insistente… e começa a tocar em cima dele. Incorpora a melodia brega do celular na sua improvisação como se tivesse sido composta por Chopin. O que era ruído vira harmonia. A plateia, que estava tensa, explode em aplausos e risos de alívio. Em menos de dez segundos, um erro alheio virou arte maior.
Eu assisti ao vídeo umas dez vezes e pensei: é exatamente assim que a vida funciona.
A gente planeja a música direitinho: acordar cedo, metas claras, rotina redondinha, relacionamentos em tom maior. Até que toca o celular. O cliente cancela o projeto. O filho tira nota baixa. O médico pede novo exame. A conta chega maior que o salário. A pessoa amada fala algo que dói. O corpo avisa que não é mais de vinte anos.
Nessas horas a gente tem duas opções: endurecer e parar a música ou respirar fundo e improvisar.
A maioria de nós foi ensinada a rejeitar a nota errada. “Não fica triste”, “engole o choro”, “raiva não resolve”, “medo é coisa de fraco”. Resultado? A emoção não some; ela fica ali, abafada, fermentando, até explodir em momento pior ou virar doença quietinha no corpo.
Acolher não é se afundar. É deixar a nota soar, reconhecer que ela existe, e então decidir o que fazer com ela. É o que os músicos chamam de “jazz emocional”.
Raiva? Pode virar limite claro dito com calma.
Tristeza? Pode virar carta escrita, abraço pedido, música mais sentida.
Medo? Pode virar planejamento cuidadoso em vez de paralisia.
Frustração? Pode virar combustível para mudar o que está ao seu alcance.
Eu mesmo já parei a música várias vezes. Brigas que poderiam ter sido conversas, silêncios que viraram ressentimento, noites perdidas tentando “não sentir” o que estava ali gritando. Até que aprendi: quanto mais eu tento calar a emoção, mais desafinada ela volta.
Hoje tento fazer diferente. Quando o celular toca no meio da minha sonata pessoal, eu respiro, escuto a melodia intrusa e pergunto: “O que você veio me ensinar?” Nem sempre sai bonito de primeira. Às vezes sai meio torto, meio improvisado. Mas sai vivo. E vivo já é música.
Porque maestria emocional não é tocar sem errar nunca. É continuar tocando mesmo quando erram por você.
E você?
Quando a vida desafina, você para o concerto ou aprende a compor com a nota que chegou sem ser convidada?
A plateia (seus filhos, seus amigos, seu futuro eu) está esperando para ver o que você vai fazer com o próximo toque de celular.
Toca bonito. Mesmo quando o som for outro.
Especialmente quando o som for outro.
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