Meu pai tinha na sua casa um controle remoto da TV muito peculiar. Customizou o equipamento para as suas necessidades essenciais. São elas: ligar e desligar, aumentar ou baixar o volume e mudar de canais. Outras teclas como mute, sintonia fina, brilho, contranste, osd e xpto, foram solenemente aposentadas. Convivi com vários modelos de televisor e todos os controles passavam pelo mesmo processo de re-design. Sei que o seu Silvio não era o único brasileiro da terceira idade a fazer isso. É bem comum.
Na minha interpretação, anos antes de me dedicar a pesquisar e revelar o comportamento dos consumidores seniores, achava que se tratava de limitação ou fobia a tecnologia. Não gosto, não conheço, nunca entenderei, então resolvo desta forma. Uma solução plausível para um octogenário.
Em 2016, já com a SeniorLab atuando nacionalmente, chego na casa dele e o vejo com um semblante diferente. Olho com atenção e sobre a mesa está um smartphone novo, a caixa e aqueles manuais que quase ninguém lê. Os que tentam, como no caso dele, não conseguem ler pois as fontes do texto são muito pequenas. Lá estava ele: o equipamento com maior tecnologia embarcada que meu pai já teve em mãos. Ele já possuía celular há muitos anos, preferencialmente os modelos flip pois para desligar ou não discar sem querer, bastava fechar. Pensei: aqui está um belo case de estudo. Que oportunidade!
Divulgação
Dei um reset nos meus conceitos e fui entender por que um senhor com 86 anos de idade na época, que simplificava os controles remotos das tvs com fita crepe agora tinha em mão um smartphone com pacote de dados. A hipótese de que tinha sido empurrado pela operadora já estava descartado pois a iniciativa foi dele. Elaborei na minha mente uma abordagem exploratória e enquanto montava minha estratégia escapou a pergunta – Por que você comprou um smartphone, pai?
“Eu quero ver meu bisneto que está na Austrália ao vivo. Sabia que dá para conversar e se ver como ele estivesse aqui?”
Pronto! Encontrei a motivação. Uma necessidade ou desejo prático. Interação familiar à distância, coisa que só a internet poderia propiciar. Depois de instalado e configurado o Skype, começaram as chamadas internacionais. Aqueles botões na tela tinham sentido, tinham um objetivo e não assustavam. Em pouco tempo ele passou a dominar as funções básicas. Um homem nascido em 1928, que viu nascer a tv preto e branco de válvula estava integrado à internet. Tinha e-mail, Skype, Whats App e... Facebook.
Hoje existem mais de 18 milhões de celulares no país em mãos de pessoas com 60 ou mais. Isto equivale a 62% da população 60+, que segundo projeção do IBGE é de mais de 29 milhões de pessoas. É uma revolução em andamento e os smartphones são os maiores promotores da entrada dos seniores na internet. A tecnologia touch simplificou muito a navegação e trouxe uma boa experiência de usabilidade. O que eles querem é só tocar com a ponta do dedo. Se algo der errado, é apertar no botão “voltar” ou na tecla “home”. Sem mouse, sem inicialização do Windows, sem inicialização de programas, incrivelmente simples.
Nas ciências da educação existe a pedagogia que possui técnicas específicas de educação de crianças, a andragogia, que é a “pedagogia” para adultos e a gerontogogia que se aplica na educação de adultos idosos. Nesta última, encontramos algumas respostas que ajudam a enxergar a ponte que capacitou e motivou os seniores a aprender e se integrar com as novas tecnologias: a necessidade. Não vou me estender muito nisso, mas as motivações de aprendizado de cada “gogia” são diferentes. A dos adultos idosos tem na necessidade seu maior impulsionador. Participar do grupo de Whats App da família ou dos amigos do grupo de ginástica, ter um perfil no Facebook e utilizar o internet banking entre outros, são os “imãs” que fazem o tempo médio de conexão diária se aproximar de uma hora. A média geral nacional supera os 200 minutos/dia. No Facebook, a quantidade de perfis de pessoas com mais de 60 anos se aproxima dos 6 milhões o que equivale a 20% da população 60% no Brasil.
Para os jovens a internet é a janela para “saírem” de casa. Para os sêniores a rede é a porta da sala para “trazer” a família e os amigos para dentro de casa.
Este assunto é rico e necessário. Hoje, marcas, produtos e serviços já sentem na pele, ou melhor, na imagem, quando os seniores se sentem mal atendidos ou desrespeitados. Vão para o Facebook, Whats app, Reclame aqui e outros. Posso garantir que a reclamação do avô de qualquer pessoa tem mais peso do que a minha. A regra é não mexam com meu avô!