Apesar de sempre ter trabalhado com computadores, Cecília Tavanielli, 56 anos, conta que nunca havia se interessado antes por games. Isso, porém, só até março deste ano, quando começou a frequentar um curso que ensina a desenvolver esses jogos.
Após alguns meses de aulas, ela diz já ter percebido melhoras tanto em sua coordenação motora como em relação à memória. “Tenho a impressão de que presto mais atenção nas coisas e consigo gravá-las com mais facilidade”, afirma.
Ela passou a criar em classe e também em casa, com a ajuda de um software, jogos de labirintos e alguns similares aos do personagem Mario, da Nintendo. Por fazer algo novo, considera que se sente “mais animada”: “Estava havia muito tempo estagnada em termos de aprendizado”.
E os benefícios não param por aí: mesmo a convivência mudou para melhor. “Não tenho netos, mas os filhos do vizinho, dois meninos de 8 e 12 anos, vão à minha casa para jogar”, diz. “É uma interação, eu aprendo algumas coisas com eles e eles aprendem outras comigo. E é bom porque eles passam a ter outra visão da gente que tem mais idade. Veem que somos capazes de fazer coisas que eles nem imaginavam.”
"Os jogos são um meio eficaz, prazeroso e desafiador de manter a coordenação motora e o raciocínio afiados, além de combater a depressão"
A ex-analista de sistemas é um exemplo de que os games deixaram de ser apenas uma forma de diversão para crianças, adolescentes e jovens adultos. No caso das pessoas que têm 50 anos ou mais, são um meio eficaz, prazeroso e desafiador de manter a coordenação motora e o raciocínio afiados, além de combater a depressão.
Vários estudos comprovam os benefícios dos jogos para a saúde dos mais velhos. Em sua dissertação de mestrado em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a cientista da computação e professora de tecnologias para idosos Ana Lúcia Nakamura menciona vários deles.
O trabalho, intitulado “Jogos digitais para longeviver melhor”, conclui que os games melhoram as funções de memória, atenção, tomada de decisão, planejamento, imitação, aprendizagem e retenção e transferência das informações adquiridas.
Também contribuem para aumentar a autoestima e o bom humor, diminuir a sensação de solidão, reduzir a ansiedade, melhorar o equilíbrio e prevenir doenças crônicas, como a de Alzheimer.
“Mesmo jogos mais simples, feitos para crianças, agradam aos idosos, por serem mais dinâmicos e estimularem o reflexo, o raciocínio e o pensamento lógico”, afirma Bruno Cesar Boisson, 44 anos, pesquisador social de mercado com foco no envelhecimento. “Na UERJ [Universidade Estadual do Rio de Janeiro], há oficinas de estimulação cognitiva para a terceira idade que utilizam os games.”
Um projeto conduzido na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) também adotou os jogos para preservar a memória e estimular a atividade cerebral de 89 idosas com algum comprometimento cognitivo. Ele foi criado e desenvolvido pela psicóloga Simone Assis como proposta de sua tese de doutorado, publicada em 2015.
O programa Universidade Aberta à Terceira Idade da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (Each-USP), por sua vez, possui uma disciplina que trabalha a utilização do videogame na estimulação cognitiva e física do idoso.
"Além de estimular o raciocínio lógico, algo que a ação de jogar já proporciona, a invenção de um jogo também instiga a criatividade"
Mas não é só no papel de jogador que as pessoas de idade mais avançada exercitam o cérebro. O profissional de TI Fabio Ota, 52 anos, proprietário da International School of Game (ISGame), formatou em Campinas (SP), há cerca de um ano, em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um curso que ensina alunos e alunas de 50 anos ou mais a desenvolver jogos. Cecília Tavanielli é uma delas.
“Ao ensinar crianças em minha escola, percebi que a atividade favorecia muito o raciocínio lógico e o trabalho em equipe e pensei em estruturá-la para os idosos”, diz Ota. Nas aulas, os alunos aprendem a criar um jogo novo “do zero”. “Eles têm de pensar nas etapas, no que vai acontecer em cada fase do game”, afirma.
“Além de estimular o raciocínio lógico, algo que a ação de jogar já proporciona, a invenção de um jogo também instiga a criatividade. Na classe, percebo que muitos dos que têm mais de 70 anos nunca nem jogaram videogame.”
A partir de agosto, Ota abre duas turmas em São Paulo para alunos de 50 anos ou mais, cada uma com 20 participantes. Em uma delas o objetivo será ensinar a desenvolver games; na outra, apenas a jogar. A iniciativa se dá em parceria com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).