Quando alguém te pergunta como anda a sua saúde, o que você considera na hora de responder? Boa parte das pessoas se limita a avaliar o estado físico, incluindo a saúde dos órgãos e sistemas do corpo, a capacidade de realizar atividades e a presença de doenças e infecções. Entretanto, nem todo mundo dá a devida atenção à saúde mental, ou seja, ao bem-estar emocional, psicológico e social.

Trata-se de um pilar elementar na saúde geral de um indivíduo, influenciado por diversos fatores, entre eles biológicos (como predisposição genética, desequilíbrios hormonais e outras condições médicas), psicológicos (a maneira como pensamos sobre nós e os outros; traumas e outros eventos durante a vida) e ambientais (os ambientes em que estamos inseridos e vivemos).

Os transtornos de saúde mental podem interferir no humor, comportamento, capacidade de se relacionar, na forma como pensamos, sentimos e agimos, impactando, por exemplo, na tomada de decisões e na maneira com que lidamos com as demandas e desafios do dia a dia.

Close de duas pessoas irreconhecíveis de mãos dadas, com sinal de consolação. Imagem para ilustrar a matéria sobre saúde mental e o coração. Crédito: Dragana Gordic/Shutterstock

Conexões

Embora saúde física e mental sejam perspectivas diferentes, estão diretamente conectadas e influenciam uma a outra. Problemas físicos, como uma dor crônica, podem afetar a saúde mental, enquanto questões envolvendo o psicológico, tal como quadros traumáticos, de depressão ou ansiedade, têm grandes chances de provocar alterações no funcionamento do organismo, inclusive do coração.

Mente e coração

Um indivíduo estressado, ansioso ou deprimido tende a fazer escolhas e adotar um estilo de vida pouco saudável: se torna propenso a fumar, não se manter fisicamente ativo, deixar os cuidados com a alimentação de lado, dormir pouco ou em excesso, consumir mais bebidas alcoólicas ou outras drogas, não tomar os medicamentos prescritos ou ainda exagerar em remédios por conta própria. Comportamentos que aumentam o risco de complicações envolvendo o coração.

Além das nossas escolhas

No entanto, essa relação não para por aí. Durante anos, muitos pesquisadores e profissionais da área abordaram a ligação entre a saúde mental e cardíaca como algo estritamente comportamental, especialmente através desses fatores de risco. Com o tempo, tal pensamento começou a mudar e os estudos passaram a apontar também possíveis conexões fisiológicas. Cada vez mais evidências mostram que aspectos biológicos e químicos que desencadeiam problemas de saúde mental também influenciam e predispõem doenças cardiovasculares.

Cenários estressantes para o corpo

De acordo com a American Heart Association, quando enfrentamos, especialmente por longos períodos, quadros de depressão, episódios de crises de ansiedade, estresse crônico e até outros tipos de transtornos, como transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), nosso ritmo cardíaco e pressão arterial aumentam, há um fluxo sanguíneo reduzido para o coração e o corpo produz níveis mais altos de adrenalina e cortisol - hormônios ligados ao estresse que sinalizam ao organismo que se mantenha em alerta para situações de risco. Essas substâncias em excesso afetam negativamente o sistema imunológico, que fica enfraquecido, e podem levar a uma resposta inflamatória no corpo.

Além disso, a constante liberação desses hormônios estimula a vasoconstrição (redução do diâmetro dos vasos sanguíneos). Como consequência, as artérias vão diminuindo o seu potencial de adaptação. Tudo isso acaba obrigando o coração a trabalhar mais. Esses efeitos fisiológicos – que, como vimos, podem ser ainda somados às mudanças comportamentais – são capazes de desencadear ou agravar doenças metabólicas (como hipertensão e diabetes), arritmias, doença arterial coronária e até um infarto do miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC).

Via de mão dupla

A relação entre as doenças cardíacas e mentais é complexa e, em muitos casos, bidirecional. Por exemplo, ser diagnosticado com insuficiência cardíaca ou sofrer um infarto do miocárdio pode, compreensivelmente, causar estresse e desespero e, consequentemente, elevar o risco de um indivíduo desenvolver um transtorno depressivo. Esses transtornos podem ser provocados devido à dor intensa, insegurança sobre o futuro e a recuperação, medo da morte ou incapacidade e até mudanças necessárias no estilo de vida e problemas financeiros associados ao evento.

Estimativas apontam que até 15% dos pacientes com doença cardiovascular e até 20% dos pacientes que foram submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio sofrem de depressão ou outra questão envolvendo a saúde mental. Por outro lado, como vimos, os transtornos depressivos estão ligados a fatores que elevam a probabilidade do desenvolvimento de doenças cardiovasculares.

Transtorno de ansiedade por doença: a popular hipocondria

Conhecido como hipocondria, o transtorno de ansiedade por doença é um distúrbio mental crônico, caracterizado pela preocupação constante e obsessiva com a própria saúde. Pesquisas realizadas no passado supunham que os hipocondríacos teriam menos probabilidade de sofrer com as doenças relacionadas ao coração por serem conscientes quanto ao estilo de vida e se submeterem periodicamente a exames. Entretanto, os resultados de estudos recentes apontam o oposto.

O fato é que quando uma pessoa está estressada ou ansiosa, como dito acima, o corpo reage de maneira que pode sobrecarregar o coração. Se o quadro se mantém por longos períodos ou ocorre de forma recorrente, expõe o organismo a níveis insalubres e elevados de hormônios, que são lançados na circulação e podem causar efeitos adversos no funcionamento do órgão.

Além disso, são grandes as chances de um indivíduo com o transtorno de ansiedade por doença tomar medicamentos sem prescrição médica. Para um hipocondríaco, muitas vezes, a automedicação é uma “solução” para uma doença que não existe, atitude que pode ser perigosa. A automedicação chega a causar consequências graves, como lesões no fígado, insuficiência nos rins, sangramentos no estômago e nos intestinos, além de desencadear ou agravar doenças e condições que atingem o sistema cardiovascular, como arritmias, insuficiência cardíaca, miocardite, infarto e AVC.

Transtornos alimentares

Os transtornos alimentares, tais como anorexia, bulimia e compulsão alimentar, são considerados questões de saúde mental porque envolvem uma relação disfuncional com a comida e frequentemente estão associados a questões emocionais, psicológicas e sociais. Podem vir acompanhados ou serem o estopim para quadros de depressão, crises de ansiedade, vícios, entre muitos outros.

São distúrbios que surgem, de modo geral, a partir de comportamentos e atitudes extremas, com possibilidade de complicações sérias e potencialmente fatais. No caso do coração, uma restrição alimentar pode levar ao aumento do tônus vagal e a bradicardia (redução do ritmo de batimentos), hipotensão ortostática (queda excessiva da pressão arterial), síncopes, arritmias, insuficiência cardíaca congestiva e a morte súbita.

Isso porque ao limitarmos o fornecimento de comida ou exigências nutricionais mínimas diárias, o corpo percebe – e reage. Ao reconhecer o déficit, passa a operar em um modo de conservação. Sem a energia suficiente vinda dos alimentos, o próprio coração diminui sua pulsação - causando a bradicardia. Com o tempo, o músculo cardíaco enfraquece (junto com outros músculos do corpo) e não consegue mais bombear o sangue como deveria.  

Entre os transtornos alimentares que mais atingem o sistema cardiovascular está a anorexia. O quadro envolve auto inanição (restrição voluntária de alimentos) e perda de peso intensa, que pode chegar a uma desnutrição severa.

Da mesma forma, nosso metabolismo precisa se adaptar quando o indivíduo ingere regularmente comida em excesso, sem controle sobre sua alimentação. Nesses casos, as complicações surgem em decorrência de comer rápido ou consumir mais alimentos do que necessário, mesmo depois de estar desconfortavelmente cheio. O exagero, às vezes de 4 a 15 mil calorias em poucos minutos, aumenta a possibilidade de uma obesidade grave.

Cada caso é único

Vale destacar que as pessoas experimentam esses transtornos de maneiras diferentes. Assim, o tempo de duração do quadro, sintomas e as consequências também variam. Além disso, é fundamental ficar claro que nem todos os indivíduos com transtornos mentais vão apresentar problemas cardíacos. Contudo, é essencial que aqueles com questões de saúde mental recebam os cuidados adequados, monitorem fatores de risco e adotem um estilo de vida saudável para reduzir a probabilidade de doenças cardíacas – uma vez que tendem a ser mais propensos a tais condições.

Um dos maiores obstáculo para diagnosticar e tratar transtornos relacionados à saúde mental é reconhecer que alguém está sofrendo com ele. Por isso, devemos prestar atenção aos sinais que o organismo nos dá e buscar ajuda sempre que notar a constante presença de sentimentos negativos e indícios desse tipo de quadro – em nós e em quem está presente no nosso convívio.


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